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Coração corinthiano

Doutor, eu não me engano,

Meu coração é corintiano

Doutor, eu não me engano,

Meu coração é corintiano

Eu não sabia mais o que fazer,

Troquei um coração cansado de sofrer!

Ah! Doutor, eu não me engano,

Botaram Outro Coração Corintiano!


Na década de 1960, além de muitas coisas que aconteciam no Brasil, ocorreram dois eventos que seria impensável de poderem ser associados. Um deles era a carência de títulos do time do Corínthians e a outro foi o primeiro transplante cardíaco no Brasil em 1967. Mas, um trio de compositores corinthianos*, é claro, tiveram a felicidade de juntar esses dois eventos em uma marchinha de carnaval chamada de “Transplante de Corintiano”, cuja letra está acima. Essa marchinha fez muito sucesso, especialmente após a gravação do apresentador Silvio Santos. A ideia de que um transplante de coração pode transferir memórias do doador para a pessoa que recebe o órgão é fascinante, mas até onde se sabe, carece de evidências científicas sólidas.


Este conceito, conhecido como "memória celular" ou "memória cardíaca", que foi abordado durante a aula “Fundamentos filosóficos em Neurociência Cognitiva” do Curso Internacional de Neurociência Cognitiva 2024 promovido pelo GT e disponível aqui em nosso site, pode sugerir que órgãos transplantados podem carregar traços de personalidade, gostos, ou até mesmo memórias do doador. Pode ser que algumas pessoas transplantadas de coração relatem mudanças em preferências alimentares, comportamentos, ou até mesmo sonhos que parecem refletir aspectos da vida da pessoa doadora do órgão. No entanto, esses relatos devem ser interpretados com cuidado. Podem ser efeitos indiretos, afinal a pessoa que está recebendo um órgão de um doador está numa situação extremamente delicada! Do ponto de vista científico, as memórias são amplamente entendidas como sendo codificadas no cérebro, especialmente em circuitos que envolvem o hipocampo. Até o presente momento não há evidências de que o coração ou outros órgãos periféricos possam armazenar memórias de forma independente do cérebro. As mudanças que as pessoas transplantadas eventualmente relatam podem ser atribuídas a uma variedade de fatores, como o impacto emocional de passar por uma cirurgia tão significativa. Portanto, enquanto a ideia de uma memória celular, a ciência atual não apoia a noção de que um transplante de coração possa levar memórias do doador para a pessoa que recebeu o órgão. O exemplo da troca de coração remete à teoria cardiocêntrica proposta por Aristóteles, que deixou marcas importantes na nossa linguagem a ponto de influenciar na criação de uma marchinha de carnaval das mais conhecidas de sua época.


*Os compositores eram Manoel Ferreira, Ruth Amaral e Gentil Júnior


Jesus Landeira-Fernandez e Givago da Silva Souza



 
 
 

1 Comment


Oi! Muito interessante o post! A forma como vocês conectaram a paixão clubística com o primeiro transplante cardíaco e exploraram a ideia da "memória celular" é muito criativa. Também achei pertinente a discussão sobre a falta de evidências científicas para essa teoria. Nesse sentido, gostaria de adicionar que uma matéria da Folha de S.Paulo, "Cientista discute contágio de personalidade no transplante de órgãos", aborda a visão científica sobre relatos de mudanças em transplantados. A ciência tende a atribuir essas alterações ao impacto psicológico e emocional do transplante, e não a uma transferência de memória ou personalidade do órgão doador.

Assim, a marchinha, apesar de ser uma divertida ficção carnavalesca, levanta questões fascinantes sobre identidade e memória que continuam a despertar…

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